terça-feira, 28 de julho de 2015

Calafrios

Também lembrou de quando corria para baixo dessa ponte, para se esconder quando brincava com seus colegas na rua. Começou a olhar como se visse todas aquelas crianças correndo por ali e sumindo lentamente. O sorriso que havia no seu rosto fora desaparecendo gradativamente. A ponte continuou fazendo seu papel de escondê-lo, mas agora, do mundo inteiro.

O lugar fedia a lixo e fezes, além de estar todo vandalizado, mas era o único abrigo que havia próximo para escapar dessa chuva repentina. Já era noite, o movimento começava a ficar mais fraco e o único pensamento era o de ir para casa, apesar do ocorrido. Apesar de tudo, nunca pediu para que essas coisas acontecessem.

Foi então que um calafrio tomou conta de todo o seu corpo, mas um calafrio tão forte que chegou a contorceu todo o seu corpo, o levando ao chão. Em seguida, uma tremedeira tomou posse de todos os seus músculos, não conseguia nem falar. Foi ao chão, se debatendo todo e começou a rastejar até a parede para tentar se levantar e conseguiu. Mas parece que estava perdendo o controle do seu corpo, já que não estava respondendo seus comandos.

Estava confuso, em crise e entrando em pânico. Sua cabeça está um completo caos e nem ao menos sabe como resolver isso. Toda a região do seu cérebro agora parece latejar e em questão de segundos ele deixa de ouvir e enxergar. Silêncio absoluto e mais nenhum movimento. A única coisa que consegue sentir é o peso de uma lágrima escorrendo, uma lágrima de dor.

Aos poucos, ele recupera a sua visão, começa a ouvir os pingos de chuva que, agora já iam embora. Olhou para as mãos enquanto as apertava para ter certeza de que as podia sentir. Decidiu se levantar, olhou ao redor e não havia ninguém. Então iniciou sua caminhada rumo a casa.

- Oi? Oi? Oi? Está se sentindo melhor? Foi um baita de um susto não?




Rocha, Lucas.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Mente Simulada

Se recusava a acreditar que tinha descoberto a causa de todos os seus problemas e agora ele não consegue distinguir o que foi real ou não. Para ele, era inaceitável ter uma mente simulada, era como se tudo não fizesse mais sentido e todos os seus princípios tivessem sido inventados.

A mente simulada trabalha de uma forma que é indetectável em exames médicos e não apresenta sintomas nem efeitos colaterais. É como se alguma memória, de forma aleatória, fosse alterada ou surgisse, fazendo com que o ser acredite nela fielmente sendo até mesmo capaz de dar detalhes como hora e machucado leve no joelho esquerdo.

Ele então percebe que seus medos surgiram por causa de falsas memórias, mas se espalhou rapidamente, desenvolvendo uma crise de pânico e conflito com sua própria cabeça. Caiu de joelhos no chão e olhou para a janela, estava chovendo. Para qualquer um, isso seria apenas uma chuva. Mas não era.

Ele entrou em colapso mental ao ver a chuva, porque ela fez com que se lembrasse de uma noite chuvosa de verão, aonde fora assaltado e humilhado. Essa lembrança despertou outras do mesmo gênero, até o momento em que todas as vozes de todos os pesadelos que teve falassem ao mesmo tempo. Havia enlouquecido de vez.

Com as mãos na cabeça, puxava os cabelos, se debatia e gritava. Começou a se provocar dores achando que aliviaria essa. O peito então começou a coçar, se posicionou novamente de joelho, rasgou a camisa e viu que estava coberto de sangue. A dor era enorme, como se duas picaretas puxassem suas costelas para fora. Soltou mais um grito e então foi ao chão. O silêncio reinou no ambiente por um instante.

Uma música começa a tocar, todos os seus poros se arrepiam pela intensidade e insanidade que seus instrumentos aparentam passar. Devagar, ele se levanta e olha novamente para a janela, mas sem nenhuma expressão no seu rosto. Parou de chover.

- Sofrer todos devem, essa dor não deve ser só minha.



Rocha, Lucas.

sábado, 30 de maio de 2015

Complexibilidade

E soa o despertador. Pela primeira vez na vida estava contente em ser acordado, porém continuava imóvel, seu corpo parecia muito mais pesado que o normal. Aos poucos, conseguiu se movimentar e sentar na beirada da cama e viu que estava em ensopado de suor, com a respiração pesada e com os batimentos acelerados. Afinal, que diabo de sonho foi esse, que foi preciso uma interferência externa para controlá-lo?

Sua mente começou a entrar em colapso, todas as memórias vieram de uma vez e falavam ao mesmo tempo. Era o caos, o medo, o pânico e a morte. Seu corpo ia sendo consumido e deteriorando por dentro e os olhos só viam o vazio enquanto tremiam. Então se aceitou. Aceitou que estava na hora de dar um fim a tudo, já não existia mais sentido na sua vida e os pensamentos pararam, seus olhos se acalmaram e retomaram a visão mas não os controlava.

O seu corpo foi se movendo em direção a cozinha, uma sensação de impotência, já que não o controlava, abriu uma das gavetas do armário e apanhou uma faca. Todo o seu foco era naquela faca, não existia nenhum barulho, nenhum empecilho, nenhum medo. Existia apenas a dor, de ter seu coração esmagado por suas costelas e não poder fazer nada. Lentamente, sua mão apanha a faca e a trás para frente de seu rosto, podendo ver seu reflexo. Um brilho. Uma lágrima. Ao ver essa lágrima, um calafrio intenso tomou conta de seu corpo a ponto de perder o equilíbrio das pernas e cair.

Era o fim. Encostou a faca no seu peito, respirou fundo e de repente a porta da sala é destruída. Sua cabeça se voltou para a porta lentamente, sem preocupação, revelando aqueles olhos quase sem vida, mas conseguiu reconhecer: era ele mais uma vez.

- Já disse, nem tente fazer isso. - Apontando uma arma em sua direção e realizando um disparo em seguida.



Rocha, Lucas.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Salão

Todos não podiam deixar de reparar na bela moça que cruzava o salão, os homens a desejavam, e as mulheres à sua beleza. Elissa estava mesmo brilhante aquela noite, em todas as noites, e essa era uma arma que ela iria sempre, querendo ou não, usar. Porém, havia algo diferente, algo que apenas um garçom que arrumava as coisas percebeu.

Já era de conhecimento público que ela preferia bebidas quentes, mas em um evento como aquele, apenas lhe restava tomar champanhe. Seria um erro dizer que ela não sentiu o seu gosto, mas de fato, não bebeu, apenas pegou a taça na bandeja para fingir beber e largar cinco minutos depois em cima de uma mesa.

"Das duas uma: ou está grávida, ou não é burra o suficiente para misturar álcool com remédios." Pensou o garçom, e se adiantou a arrumar mais taças para que o seu colega de trabalho levasse.
Esperou por 3...4...5 minutos e nada. Resolveu levar ele mesmo a maldita bandeja.

-Maldito, deve estar com alguém no banheiro novamente!

-Pensando alto? Disse Elissa, descendo as escadas por onde o garçom passava em frente.

-É...não..eu só...

-Posso?

-O que?

-Pegar uma.

-Han?

-Uma taça

-Ah...claro...vá em frente.


Elissa pegou entre o polegar e o indicador uma das taças da bandeja, e largou um pequeno papel que prendia entre o dedo médio e o anelar. Depois se virou e voltou a andar em direção ao meio do salão.

"Quarto de hóspedes, 5 minutos, eu tenho a chave"

-Droga... O garçom pensou alto, enquanto largava a bandeja em uma mesa para pegar algo no bolso do smoking
- Realmente não queria acreditar que fosse ela. 



Claridad Vieira

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Ajuda

Não queria nem saber, continuou tomando sua cerveja e a garota não parava de chorar. Era quase de manhã, finalmente teve seu momento de paz para poder descansar e agora tinha que aparecer alguém que precisasse de ajuda? Dessa vez a bomba explodiu e ele tacou o foda-se.

Duas pessoas foram lá saber o motivo de seu choro, apenas deu mais uma golada na sua cerveja e riu. Essa falsidade toda das pessoas em querer ajudar apenas em momentos oportunos era motivo de risada para ele, já que a pessoa em questão estava visivelmente embriagada e conseguir "algo a mais" era questão de lábia.

Já cansado de ficar em pé, se sentou e ficou assistindo aquela patética cena da falsidade humana. Estava ficando entediado já, seus companheiros de bar, dois dormiram e um estava de papo com algum conhecido que não via a algum tempo.

Mas nada é tão ruim o quanto não possa piorar, já que ao voltar seu olhar a garota que chorava, a mesma tinha acabado de dar um gancho na cara de um dos rapazes enquanto o outro levou uma joelhada no saco, seu rosto não aparentava mais que estava chorando, arrumou os cabelos e saiu. Jorge não expressou nenhuma reação até dar outra golada na cerveja.

- Que cerveja quente!


terça-feira, 25 de novembro de 2014

Ícaro

Ele sempre fazia o mesmo caminho. Caminhava pela manhã, se hidratava, tomava banho e ia ao trabalho. Ícaro exercitava a criatividade, o tempo todo. Ele tocava piano, violino, lia revistas cult, se vestia de xadrez flanelado, coturnos, calças skinny.

Ícaro tinha uma namorada bissexual, com piercing no septo, cabelo vermelho vivo, raspado do lado direito. Ele trabalhava como publicitária, criava imagens engraçadas para o Instagram e movia sua vida pelo twitter.

Ícaro ia a festivais de música sueca, norueguesa, dinamarquesa. Ele andava de scooter e possuía uma polaroid. No começo do ano comprou seu tão sonhado Iphone 5S, só pra 6 meses depois entrar numa fila quilométrica e trocar pelo 6. 

Sua personalidade era fácil, introvertido, amável. Bebia Jack Daniels e todas as bebidas coloridas, Sex on the Beach, Blue Lake. Ele vivia com amigos, tão novos quanto ele. Morava sozinho em um bairro afastado do centro. Visitava exposições de arte, curtia Legião Urbana, Manu Magalhães, Arctic Monkeys e Lana Del Rey. 

Ícaro achava que não se encaixava no mundo. Com 19 anos, Ícaro cortou os pulsos na banheira de um hotel em Ubatuba.


- Ícaro, você foi só mais um que tentou chamar atenção. Adeus.

Rocha, Cíntia.


segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Bilhar

Maldita seja aquela pedra, agora tem um belo machucado no dedão. Até passou pela sua cabeça se mais alguma coisa poderia dar errado, mas preferiu não prestar atenção nisso com medo de que mais alguma coisa acontecesse, pois é, não adiantou. Estava distraído demais para notar que parou em frente a uma poça d'água quando tentava atravessar a rua, bem, já podem imaginar o resto.

Ficou mais um tempo parado tentando processar a informação do porquê essa maré de azar. Olhou para os lados, limpou o rosto, respirou fundo e atravessou a rua e procurou um banheiro disponível nos estabelecimentos a frente para se secar. Acabou entrando num bar ali na frente, praticamente o único lugar aberto nesse quarteirão.

Engraçado que apesar de ser apenas um banheiro de bar, aquele lugar lhe parecia familiar demais e incrivelmente reconfortante. Parou se olhou no espelho, estranhou porque parecia outra pessoa ou apenas se sentia tão diferente que nem se reconhecera. Ao abrir a porta do banheiro, sentiu-se renovado, disposto, a postos, queria uma cerveja. Aproximou-se do balcão e pediu uma cerveja, enquanto observava as pessoas passando na rua. 

Repentinamente, o som de bolas de bilhar se chocando lhe chamou a atenção, já tinha alguém ali quando chegou? Aquela pessoa estava jogando sozinho, debaixo de uma fraca luz que as vezes piscava. Mais uma jogada, mais um acerto e decidiu parar, levantou a cabeça e viu que Júlio o observava. Colocou o taco sobre a mesa e se aproximou devagar:

- Antes ter azar do que estar morto, não acha?


Rocha, Lucas.